Sem a capacidade de sentir dor, a vida se torna muito mais perigosa. A dor é um sinal essencial que nos protege de lesões: ela nos ensina a usar um martelo com mais delicadeza, esperar que a sopa esfrie antes de beber ou usar luvas em uma guerra de bolas de neve. Pessoas que tem doenças genéticas raras que as impedem de sentir dor não conseguem se proteger adequadamente de ameaças do ambiente, o que frequentemente resulta em ossos quebrados, pele machucada, infecções e, em muitos casos, uma expectativa de vida reduzida. Nessas situações, a dor é mais do que uma simples sensação; ela é um chamado de alerta para a ação. Por outro lado, quando se torna excessivamente intensa ou persistente, a dor pode ser incapacitante, o que levanta a pergunta: como a medicina moderna consegue suavizar esse alarme?
Como neurobiologista e anestesiologista que estudam a dor, esta é uma questão que nós e outros pesquisadores temos tentado responder. A ciência avançou muito nos últimos anos na compreensão de como o corpo detecta danos nos tecidos e os interpreta como dor. Descobriu-se que há múltiplas vias que transmitem sinais de dano ao cérebro, acionando este alarme. O cérebro utiliza diferentes caminhos para sinalizar a dor, dependendo do tipo de dano, mas também há redundância nesses mecanismos. Curiosamente, essas vias neurais podem se modificar e amplificar os sinais nos casos de dor crônica ou de dor causada por problemas diretamente nos nervos, mesmo quando a função protetora da dor já não é mais necessária. Os analgésicos atuam em diferentes pontos dessas vias, mas nem todo remédio funciona para todo tipo de dor. Devido à complexidade e redundância desses caminhos, o analgésico perfeito ainda não existe. Contudo, a compreensão de como os medicamentos disponíveis funcionam permite que médicos e pacientes os utilizem de maneira mais eficaz.
Lesões como contusões, torções ou fraturas provocam inflamação nos tecidos, uma resposta do sistema imunológico que leva a inchaço e vermelhidão na tentativa do corpo de se curar. Células nervosas especializadas chamadas nociceptores, localizadas na região da lesão, detectam os compostos inflamatórios produzidos pelo corpo e enviam sinais de dor ao cérebro. Analgésicos anti-inflamatórios comuns, vendidos sem receita médica, atuam diminuindo essa inflamação no local lesionado. São especialmente úteis para lesões musculoesqueléticas e para dores causadas por inflamações, como a artrite.
Anti-inflamatórios não esteroides, como o ibuprofeno, o naproxeno e o ácido acetilsalicílico (aspirina), atuam bloqueando uma enzima chamada COX, que tem papel fundamental em uma cascata bioquímica responsável por gerar substâncias inflamatórias. Ao bloquear essa cascata, há uma redução na quantidade desses compostos inflamatórios, diminuindo os sinais de dor enviados ao cérebro. Já o paracetamol (também conhecido como acetaminofeno ou Tylenol) não reduz a inflamação como os anti-inflamatórios não esteroides, mas também inibe enzimas COX e tem efeitos analgésicos similares. Medicamentos anti-inflamatórios sob prescrição incluem outros inibidores de COX, corticosteroides e drogas mais recentes que atuam diretamente sobre os compostos inflamatórios, inativando-os.
Porém, como esses compostos inflamatórios também têm funções fisiológicas importantes além de sinalizar a dor, medicamentos que os bloqueiam podem gerar efeitos colaterais e riscos à saúde, como irritação da mucosa estomacal e prejuízos à função renal. Os medicamentos vendidos sem prescrição costumam ser seguros se usados exatamente conforme indicado na embalagem. Corticosteroides como a prednisona bloqueiam a cascata inflamatória em fases mais iniciais, o que os torna muito potentes na redução da inflamação. No entanto, como os compostos dessa cascata estão presentes em praticamente todos os sistemas do corpo, o uso prolongado de esteroides pode acarretar vários riscos à saúde e precisa ser discutido com um médico antes do início de qualquer tratamento.
Muitos medicamentos tópicos agem sobre os nociceptores, os nervos especializados na detecção de danos aos tecidos. Anestésicos locais como a lidocaína impedem esses nervos de enviar sinais elétricos ao cérebro. Além disso, proteínas receptoras localizadas nas extremidades de outros neurônios sensoriais da pele também são alvos de medicamentos tópicos. Quando ativadas, essas proteínas podem produzir sensações específicas que atenuam a dor ao reduzir a atividade dos nervos que detectam os danos, como a sensação de frescor provocada pelo mentol ou a sensação de ardência causada pela capsaicina (substância presente na pimenta).
Como esses medicamentos tópicos atuam nos pequenos nervos da pele, são mais eficazes em dores que afetam diretamente essa região. Por exemplo, a infecção por herpes-zóster pode danificar os nervos da pele, tornando-os hiperativos e fazendo com que enviem sinais de dor constantes ao cérebro. Silenciar esses nervos com lidocaína tópica ou com doses concentradas de capsaicina pode ajudar a reduzir esses sinais de dor.
Lesões nos nervos, frequentemente causadas por condições como artrite e diabetes, podem tornar o sistema sensorial de dor excessivamente reativo. Mesmo sem um dano real nos tecidos, o alarme da dor pode ser acionado. Nesses casos, os medicamentos mais eficazes são os que abafam esse alarme. Fármacos originalmente desenvolvidos para epilepsia, como a gabapentina (Neurontin), reduzem os sinais elétricos transmitidos pelos nervos. No entanto, como também afetam outras áreas do sistema nervoso, podem causar efeitos colaterais como sonolência e confusão. Antidepressivos como duloxetina e nortriptilina são usados porque se acredita que aumentem a concentração de certos neurotransmissores na medula espinhal e no cérebro que regulam as vias da dor. Porém, esses medicamentos também podem interferir na comunicação química do trato gastrointestinal, resultando em desconfortos estomacais. Todos esses medicamentos devem ser prescritos por médicos.
Os opioides são substâncias químicas extraídas ou derivadas da papoula-do-oriente, planta da qual também se extrai o ópio. Um dos primeiros opioides, a morfina, foi isolada no século XIX. Desde então, o uso médico de opioides se expandiu para incluir diversos derivados naturais e sintéticos com diferentes potências e durações. Alguns exemplos comuns incluem codeína, tramadol, hidrocodona, oxicodona, buprenorfina e fentanil. Os opioides reduzem a dor ativando o sistema de endorfinas do corpo. As endorfinas são opioides naturais produzidos pelo organismo que atenuam os sinais de lesão e produzem sensação de euforia, como aquela sentida após atividade física intensa, conhecida como “barato do corredor”. Os opioides imitam esse efeito ao agir sobre os mesmos alvos biológicos. Embora possam ser eficazes contra certos tipos de dor aguda, como após cirurgias, lesões musculoesqueléticas como fraturas ou dores causadas por câncer, geralmente não são eficazes para dores crônicas ou originadas por lesões nos nervos. Como os receptores opioides estão presentes também em outros sistemas do corpo, como o digestivo e o respiratório, os efeitos colaterais podem incluir constipação e, em casos graves, supressão respiratória que pode ser fatal. O uso prolongado leva à tolerância, o que significa que doses maiores são necessárias para alcançar o mesmo alívio, aumentando o risco de dependência. Por isso, opioides não são recomendados para uso a longo prazo e são considerados substâncias controladas, prescritas com rigor por médicos devido aos seus riscos.
Apesar de a cannabis ter ganhado atenção por seus possíveis usos medicinais, ainda não existem evidências científicas suficientes para afirmar com segurança que ela trata efetivamente a dor. Sabe-se que o corpo produz substâncias semelhantes às da cannabis, chamadas endocanabinoides, que reduzem a percepção de dor e podem diminuir inflamações. No entanto, devido à escassez de estudos clínicos robustos, os médicos não recomendam o uso da cannabis em substituição a medicamentos já aprovados.
Emitir o sinal de dor é fundamental para a sobrevivência, mas abafar esse alarme quando ele se torna excessivo ou inútil é, em muitos casos, necessário. Ainda não existe um medicamento capaz de tratar a dor de maneira perfeita. Associar corretamente o tipo de dor ao medicamento que atinge os caminhos específicos de sinalização pode melhorar o alívio, mas, mesmo assim, os tratamentos podem não funcionar igualmente para todas as pessoas com a mesma condição. Mais pesquisas que aprofundem o conhecimento médico sobre os caminhos da dor e seus alvos no corpo podem levar ao desenvolvimento de terapias mais eficazes e a uma gestão mais precisa da dor.
Leia também: Usar o celular assim que se acorda está fazendo mal para sua saúde
O que faz as mulheres viverem mais do que os homens?
De tênis velhos a longas caminhadas, o que causa dores no pé?