Nos bastidores das corporações modernas, uma investigação revela um quadro cada vez mais frequente: jornadas extenuantes impostas como regra silenciosa. Em empresas de tecnologia, como o Google, a ordem é clara: 60 horas ou mais por semana no escritório. Há casos em que recém-contratados encaram maratonas de 12 horas diárias, seis dias consecutivos. O cenário não se restringe ao setor de tecnologia. Áreas como saúde, engenharia e consultoria também vêm ampliando a carga de trabalho, reflexo direto de um mercado fragilizado que reduz o poder de barganha dos candidatos.
No entanto, há ilhas de resistência. Nomes como Cisco, Booz Allen Hamilton e Intuit figuram em listas de empresas que cultivam o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Lá, os trabalhadores recebem orientações para estabelecer limites, horários flexíveis e até treinamentos de meditação e manutenção da calma, práticas que tentam blindar a mente e o corpo contra o desgaste constante.
Estudos mostram que o excesso de horas pode ser um tiro no pé. Pesquisas indicam que funcionários com tempo para a família e atividades criativas apresentam desempenho superior no trabalho. Revisões de dezenas de estudos revelam que chefes atentos ao papel familiar de seus subordinados cultivam lealdade e reduzem pedidos de demissão. Outra pesquisa constatou que projetos criativos fora do expediente aumentam a criatividade no próprio trabalho, independentemente do perfil inicial do profissional.
O problema é que muitas empresas ficam presas à chamada “ilusão do foco”, termo cunhado pelo Nobel de Economia Daniel Kahneman, que descreve a fixação em metas imediatas (como número de e-mails ou ligações) em detrimento de fatores que sustentam a produtividade no longo prazo. O preço desse erro é alto: problemas de saúde mental, burnout e rotatividade crescente.
A Organização Mundial da Saúde aponta que trabalhar mais de 55 horas semanais eleva em 35% o risco de AVC e em 17% o de doenças cardíacas. O burnout, já reconhecido como risco ocupacional, gera perdas bilionárias às empresas. Uma análise revelou que funcionários muito engajados dobram a chance de sofrer burnout quando ultrapassam 45 horas semanais. Para cada trabalhador, o prejuízo pode ser imenso devido a afastamentos e queda de produtividade.
Casos internacionais reforçam o alerta. Na Coreia do Sul, a imposição de horas extras obrigatórias levou enfermeiras a pedirem demissão em massa. Nos Estados Unidos, um estudo com mais de 17 mil profissionais da saúde identificou aumento direto na rotatividade conforme crescia a carga horária. A conta para o empregador não é pequena: substituir um funcionário pode custar até o dobro de seu salário anual, sem contar o capital humano e o conhecimento perdidos.
No Brasil, embora faltem estatísticas específicas sobre turnover ligado à sobrecarga, especialistas apontam que substituir um funcionário pode custar até o dobro de seu salário anual, considerando seleção, treinamento e perda de conhecimento. Essa dinâmica tende a ser mais grave em ambientes onde a exigência por horas extras é constante. Relatos de trabalhadores brasileiros em fóruns e redes sociais também evidenciam jornadas de 44 horas semanais somadas a longos deslocamentos, resultando em burnout, prejuízos à saúde mental e falta de tempo para autocuidado.
O recado é claro. Companhias que insistem em extrair cada gota de energia de seus trabalhadores podem estar cavando a própria cova financeira. Já aquelas que reconhecem o valor de vidas plenas fora do expediente encontram um efeito colateral positivo: equipes mais leais, produtivas e sustentáveis ao longo do tempo.