O mistério sobre como a vida surgiu na Terra e se ela existe em outros lugares do universo é “a razão de ser da exploração espacial”, afirmou Louis Friedman. A resposta, segundo ele, “pode estar em um dos tubos de ensaio que estão agora em Marte”. Mas essas amostras, coletadas pelo rover Perseverance da Nasa, “parecem condenadas a esperar indefinidamente por nenhuma resposta”, já que Donald Trump está cancelando a missão responsável por trazê-las de volta à Terra.
Desde que o Perseverance pousou no Planeta Vermelho, em fevereiro de 2021, o robô “do tamanho de um carro e movido a energia nuclear” tem coletado amostras para posterior envio à Terra, onde uma “inspeção minuciosa” poderia fornecer “as primeiras evidências convincentes de vida fora da Terra”.
Esse programa, uma colaboração entre a Nasa e a Agência Espacial Europeia chamado Mars Sample Return (MSR), é considerado a “grande realização” de meio século de exploração marciana, resultado de décadas de planejamento e de um investimento superior a R$ 60 bilhões.
Isso, claro, se “a administração Trump não conseguir o que quer”. A recente “bomba orçamentária” proposta pelo presidente dos EUA prevê cortar um quarto do orçamento da Nasa e “eliminar completamente o MSR”, alegando que o projeto estaria “absurdamente acima do orçamento”. O plano, segundo a Casa Branca, seria coletar essas amostras em futuras “missões humanas a Marte”, algo que, segundo Scott Hubbard, cientista da Universidade de Stanford e primeiro diretor do programa marciano da Nasa, “não faz sentido em vários níveis”. “Não conheço nenhum cenário viável de missão tripulada a Marte antes de 2039 ou 2040.”
É verdade que “diversas análises independentes” sobre o MSR mencionaram o “aumento dos custos e atrasos no cronograma”. Uma revisão da própria Nasa, em 2023, estimou que o projeto pode custar até R$ 60 bilhões, valor comparável ao do Telescópio Espacial James Webb, o projeto astronômico mais caro da história. Mas, segundo especialistas, “qualquer plano realista de missão tripulada a Marte seria muito mais caro”.
Ainda não está claro se a Agência Espacial Europeia conseguiria recuperar as amostras do MSR sem o apoio da Nasa, mas um comunicado emitido após a proposta orçamentária de Trump “enfatizou cuidadosamente a importância da cooperação espacial entre Europa e Estados Unidos”.
Para descobrir se as dezenas de amostras colhidas indicam a presença de vida, serão necessários equipamentos de ponta e “centenas de experimentos químicos”, afirmou Friedman. As amostras foram “cuidadosamente escolhidas em regiões potencialmente habitáveis”; pelo menos uma delas apresenta “fortes indícios de vida microbiana no passado”.
As respostas sobre a origem da vida também poderiam impulsionar áreas como robótica, inteligência artificial, comunicações, biologia sintética, química, entre outras. Por isso, países como China e Índia também estão investindo em projetos semelhantes: a China pretende recuperar amostras de Marte em 2028, o que a tornaria o primeiro país a trazer à Terra material planetário potencialmente biológico (incluindo possíveis formas de vida) vindo de outro mundo.
“Abandonar o retorno das amostras marcianas para outras nações é também abandonar o papel de liderança que John F. Kennedy atribuiu à exploração científica do espaço”, diz a revisão independente da Nasa de 2023. Em um famoso discurso na Universidade Rice, em 1962, intitulado “Escolhemos ir à Lua”, Kennedy declarou: “Navegamos nesse novo mar porque há novos conhecimentos a serem adquiridos, e novos direitos a serem conquistados, e esses devem ser conquistados e utilizados para o progresso de toda a humanidade.”