domingo, julho 27, 2025
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A economia vai tão mal que nem trabalhando mais garante aposentadoria segura

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Durante anos, trabalhar por mais tempo foi apresentado como a melhor solução para garantir uma aposentadoria mais segura, especialmente para quem está atrasado nas economias. Um estudo de 2018 chegou a apontar que adiar a aposentadoria em apenas seis meses poderia ter mais impacto na segurança financeira do que aumentar significativamente a taxa de poupança.

No entanto, a economista Teresa Ghilarducci argumenta que esse conselho, embora conveniente, encobre um problema mais profundo. Segundo ela, “o consenso sobre trabalhar por mais tempo era, na verdade, uma inverdade conveniente”. Em um episódio recente de um podcast, Ghilarducci afirmou que “esse discurso servia para aliviar a responsabilidade coletiva: se as pessoas não economizaram durante os últimos 40 anos, pelo menos agora podem trabalhar mais e assim, o sistema não precisa mudar nada”.

Ela aponta que a raiz do problema está na transferência total da responsabilidade para o indivíduo. A lógica que sustenta essa ideia parte do princípio de que “como as pessoas estão vivendo mais, podem e devem trabalhar mais”, e ainda, que “como os trabalhos estão mais fáceis, qualquer um pode continuar trabalhando”.

Contudo, essa lógica é falha, segundo a economista. Isso porque a premissa de que todos estão vivendo mais e com empregos menos exigentes simplesmente não corresponde à realidade. Embora a expectativa de vida tenha aumentado nas últimas décadas, esse ganho tem se concentrado em pessoas com carreiras mais estáveis, empregos formais bem remunerados e acesso contínuo a planos de saúde privados.

“Pessoas de classe média ou alta, por exemplo, têm experimentado os maiores avanços na longevidade”, afirma Ghilarducci. “Esses dados puxam a média para cima, mas não refletem o todo. Essas pessoas também tiveram carreiras que contribuíram para uma vida mais longa, muitas vezes com a possibilidade real de escolha sobre quando parar de trabalhar. ”

Para boa parte da população brasileira, no entanto, a realidade é bem diferente. A expectativa de vida para trabalhadores informais ou em ocupações mais precárias, especialmente mulheres negras em serviços, pouco se alterou ou até diminuiu. “Trabalhar nem sempre é bom para a saúde”, alerta Ghilarducci, acrescentando que os benefícios do trabalho prolongado só são sentidos por uma minoria privilegiada.

Essas pessoas, segundo ela, podem se beneficiar mental e fisicamente ao seguir ativas, sobretudo quando têm controle sobre o ritmo e o conteúdo do trabalho. Mas esse não é o caso da maioria. Apenas cerca de 11% dos trabalhadores têm esse tipo de autonomia. Os demais 89%, afirma a economista, enfrentam rotinas que, se mantidas por muitos anos, aumentam os níveis de estresse, ansiedade e desgaste físico, acelerando os efeitos do envelhecimento. Isso é ainda mais evidente em grandes centros urbanos no Brasil, onde longos deslocamentos, más condições de trabalho e baixa remuneração são a realidade de milhões de pessoas.

A situação se agrava para mulheres com mais de 60 anos em empregos ligados ao setor de serviços, como limpeza, comércio ou cuidados domésticos. Segundo Ghilarducci, essas mulheres são particularmente vulneráveis ao surgimento de doenças relacionadas ao estresse crônico, resultando em maior morbidade e menor expectativa de vida.

Essa realidade configura um dilema. Em teoria, trabalhar por mais tempo pode melhorar a renda na aposentadoria e, em muitos casos, parece uma escolha racional. Mas, na prática, como aponta Ghilarducci, “a maioria das pessoas sequer tem a opção de continuar trabalhando, mesmo que não tenha recursos suficientes para viver com dignidade na velhice”.

O que pode ser feito, então? Para brasileiros entre 50 e 60 anos, a recomendação é encarar um diagnóstico financeiro realista. “É preciso olhar com sinceridade para suas finanças e calcular quanto realmente será necessário”, afirma a especialista.

Ela sugere começar estimando a renda que se espera obter na aposentadoria e subtrair 20%. Depois, calcular os gastos previstos e acrescentar 20%. Se houver um déficit, o ideal é tentar, dentro das possibilidades físicas e mentais, prolongar o tempo de trabalho, reduzir despesas e, sempre que possível, consultar um planejador financeiro que cobre honorários e não comissões.

Além disso, é fundamental lembrar que programas públicos como o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e o SUS (Sistema Único de Saúde) são peças-chave para a sobrevivência financeira na velhice. Benefícios assistenciais como o BPC (Benefício de Prestação Continuada) também desempenham papel crucial para os idosos mais pobres.

Como conclui Ghilarducci, “o Estado se torna seu parceiro financeiro mais importante à medida que você envelhece” e essa parceria precisa ser fortalecida por políticas públicas consistentes, que considerem a desigualdade estrutural e a diversidade de trajetórias no mundo do trabalho brasileiro.

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