Você se empanturrou com uma refeição enorme e, cerca de uma hora depois, começa a sentir estranhas dores em forma de cãibras no peito. Vai até o computador e digita “dor no peito” no seu mecanismo de busca preferido. O primeiro resultado que aparece é infarto? Sua curiosidade rapidamente se transforma em ansiedade enquanto percorre páginas que listam sintomas de ataque cardíaco exatamente iguais aos seus. Muito provavelmente, o que você está sentindo não é um infarto, mas sim o fenômeno conhecido como cibercondria.
O termo cibercondria surgiu na era da internet, e dependendo de quem você consulte, as definições podem variar. Em 2000, um jornalista descreveu cibercondria como “a crença ilusória de que se sofre de todas as doenças listadas na internet”. Já em 2001, uma matéria chamou o fenômeno de “síndrome da impressão da internet”. O Dr. Brian Fallon, um dos principais pesquisadores sobre hipocondria, define cibercondríacos como “um grupo de hipocondríacos que apresentam um foco obsessivo-compulsivo intenso em seus sintomas”. Ele afirma que 90% das pessoas com hipocondria que têm acesso à internet tornam-se cibercondríacas.
Pesquisas mais recentes buscaram redefinir o conceito de cibercondria, afastando-se da ideia de hipocondria clássica e concentrando-se no comportamento de pesquisa por informações de saúde online. A empresa de pesquisa de mercado Harris Interactive, que realizou diversos estudos sobre cibercondria, explica que o termo hipocondria significa “preocupação excessiva com a saúde”. Sob essa ótica, cibercondria significaria “preocupação com a saúde online” e não necessariamente traz o tom pejorativo normalmente associado à hipocondria.
Imagine que você esteja sentindo contrações musculares involuntárias e digite esse sintoma num buscador comum. Um dos primeiros resultados que pode aparecer é ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), uma doença neurodegenerativa grave que afeta as células nervosas do cérebro e da medula espinhal. Com base nesse resultado, a ansiedade pode levá-lo a se concentrar em pesquisar sobre essa doença rara, afastando-o da busca por uma causa mais provável e menos grave, como fadiga muscular ou tensão.
Em 2008, os pesquisadores da Microsoft, Ryen White e Eric Horvitz, conduziram um estudo aprofundado sobre a cibercondria e os mecanismos de busca. Eles concluíram que usar a internet para diagnosticar sintomas tem o potencial de aumentar a ansiedade em pessoas sem formação médica adequada. Chamaram esse fenômeno de escalonamento, o aumento da ansiedade ao consultar os resultados. Também descobriram que esse comportamento pode gerar consultas médicas desnecessárias, desperdiçando tempo e recursos.
As pessoas tendem a focar nos primeiros resultados da busca e muitas vezes ignoram que, ao contrário de um médico, o Google não leva em consideração fatores importantes como idade, histórico de saúde ou antecedentes familiares ao “sugerir” diagnósticos. Em uma parte do estudo, 500 funcionários da Microsoft foram entrevistados sobre suas experiências em buscar informações médicas na internet. Nove em cada dez relataram que ao procurar por informações simples, acabaram se deparando com doenças graves. O mais curioso é que nenhum deles se identificava como excessivamente preocupado com a saúde.
Outro dado importante do estudo foi que muitos participantes acreditavam que os resultados das buscas estavam organizados por probabilidade de diagnóstico. No entanto, os mecanismos de busca utilizam algoritmos matemáticos que classificam as páginas com base em critérios como frequência de palavras-chave, número de cliques recebidos e quantidade de links direcionando para a página. Isso gera um ciclo em que pessoas ansiosas clicam em páginas sobre doenças raras, elevando o ranqueamento dessas páginas e tornando mais provável que outros usuários preocupados também as encontrem.
White e Horvitz concluíram que os desenvolvedores de mecanismos de busca têm a responsabilidade de melhorar os sistemas de navegação e classificação para que os resultados relacionados à saúde sejam menos alarmantes. Eles reconhecem que isso representa desafios algorítmicos e estão desenvolvendo classificadores que identifiquem quando alguém está tentando usar um buscador para se autodiagnosticar.
A relação entre médicos e pacientes também tem sido impactada pela internet. Tradicionalmente, essa relação se baseava na figura do médico como principal fonte de informação sobre diagnóstico e tratamento. Com a internet, muitos pacientes buscam se informar por conta própria e desejam participar mais ativamente de suas decisões médicas. Essa mudança tem enfrentado certa resistência por parte dos médicos, já que as informações online nem sempre são confiáveis. O estudo da Microsoft revelou que muitos participantes não se preocupavam com a fonte da informação encontrada, concentrando-se apenas no conteúdo em si. Como o conteúdo online não é regulado, isso cria um desafio para médicos que atendem pacientes mal-informados, que confiam mais no que leram na internet do que na opinião do profissional. Além disso, limitações dos planos de saúde muitas vezes não compensam financeiramente o tempo exigido por pacientes que chegam ao consultório com pilhas de impressões da internet.
Por outro lado, médicos mais atualizados veem a internet como uma oportunidade de aprimorar a relação com os pacientes, tornando-os parceiros mais ativos e bem informados. Pacientes mais informados tendem a fazer perguntas melhores e a seguir com mais rigor os tratamentos indicados. Uma pesquisa da Harris mostrou que aqueles que buscam informações online sobre sua saúde têm maior probabilidade de aderir ao tratamento e de interagir de forma mais eficiente com os profissionais de saúde.
O Dr. Jared Dart, consultor de saúde australiano, sugere que os médicos “prescrevam” informações assim como prescrevem medicamentos, indicando sites confiáveis para manter o uso da internet como uma ferramenta complementar de informação e não como instrumento de autodiagnóstico. Enquanto isso, recomenda-se que, em vez de usar buscadores genéricos como o Google, o usuário opte por mecanismos específicos da área da saúde com recursos como verificadores de sintomas. Também é útil pedir ao médico indicações de sites confiáveis para pesquisar sintomas ou diagnósticos. E, se os resultados das buscas estiverem provocando ansiedade contínua, o mais adequado é marcar uma consulta com um profissional de saúde.
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