sábado, setembro 13, 2025
spot_img
HomeNewsA internet está com cada vez menos conteúdo e tráfego humano

A internet está com cada vez menos conteúdo e tráfego humano

spot_img

No início de 2024, diversos usuários de diferentes redes sociais se depararam com uma enxurrada de imagens geradas por inteligência artificial retratando crustáceos, em especial camarões, com o rosto de Jesus.

Esse fenômeno, batizado de “Jesus Camarão”, embora aparentemente inofensivo e até curioso, chamou a atenção de estudiosos da internet e especialistas em aprendizado de máquina por revelar algo mais profundo: uma amostra discreta do que vem sendo chamado de “internet morta”.

Muitas dessas imagens hiper-realistas chegaram a ultrapassar vinte mil curtidas e comentários, o que despertou questionamentos sobre a origem desse engajamento.

Segundo os pesquisadores Jake Renzella e Vlada Rozova, a teoria da internet morta traz uma explicação para esse cenário: conteúdos criados por inteligências artificiais e bots já ultrapassaram em volume os conteúdos produzidos por seres humanos.

Essa teoria, que antes era vista como algo marginal, tem ganhado força especialmente com o crescimento do uso de conteúdos automatizados nos últimos anos.

Um relatório da empresa de segurança cibernética Imperva, chamado de “Bad Bot Report” e divulgado em 2024, mostrou que quase metade do tráfego da internet era automatizado.

Em 2021, os bots representavam 42,3% do tráfego, número que saltou para 49,6% em 2023. Mantido esse ritmo, é esperado que nos próximos anos a maior parte do tráfego seja dominada por máquinas, e não por pessoas.

Outro estudo apontou que 38% das páginas criadas por humanos em 2013 já não existem mais, resultado do fenômeno conhecido como “link rot”, ou apodrecimento de links, quando conteúdos somem ou se tornam inacessíveis. Esse conjunto de transformações facilita a conclusão de que a internet deixou de ser um espaço feito “por humanos e para humanos”.

No caso específico do chamado Jesus Camarão, Renzella e Rozova entendem que não passa de um esquema de engajamento automático. Em um sistema econômico em que atenção se traduz em dinheiro por meio de receitas publicitárias, automatizar a criação de conteúdos chamativos com bots equivale a produzir renda de forma artificial.

A jornalista Taylor Lorenz, que é especialista em cultura digital, apontou que a ascensão do conteúdo orientado por algoritmos foi um marco da degradação da internet. Em vídeo publicado no canal do divulgador científico Kyle Hill no YouTube, Lorenz afirmou acreditar que a internet já estava em estado terminal antes mesmo do lançamento do ChatGPT, destacando que os sistemas de ranqueamento algorítmico, baseados em inteligência artificial, criaram terreno para a proliferação de conteúdos banais e a otimização absurda do espaço digital.

Assim como acontece com praticamente toda tecnologia criada por humanos, esses mecanismos também podem ser usados de forma mais perigosa, como no apoio a regimes autoritários.

Um levantamento de maio de 2025 feito pela empresa NewGuard, dedicada à análise de fontes de informação, identificou mais de mil sites de notícias administrados quase inteiramente por bots, sendo que 167 se apresentavam como portais locais russos, mas publicavam informações enganosas sobre a guerra na Ucrânia e utilizavam inteligência artificial para gerar textos.

Nesse mesmo período, Sam Altman, CEO da OpenAI, publicou no Twitter que nunca havia levado a sério a teoria da internet morta, mas admitiu que atualmente existem muitas contas administradas por modelos de linguagem, sem se dar conta de que sua própria empresa é uma das protagonistas da transformação que levou ao cenário atual.

Isso não significa que os usos pessoais da internet, como conversas privadas, postagens entre amigos e trocas em redes sociais, desaparecerão. No entanto, esse processo de deterioração exige cada vez mais atenção dos usuários para diferenciar o que é real do que é fabricado, ao mesmo tempo em que alimenta uma sensação de perda em relação à internet de outros tempos.

Nas palavras de Renzella e Rozova, a liberdade de criar e compartilhar ideias foi o que deu poder à internet e às redes sociais, e é justamente nesse sentido que a internet que conhecíamos e valorizávamos pode ser considerada morta.

RELATED ARTICLES

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here

spot_img

Mais Lidas