* João Cordeiro
O dia 20 de outubro é (extraoficialmente) o Dia Nacional do Poeta. Diferente do Dia Nacional da Poesia, comemorada no dia 31 do mesmo mês, a data é dedicada exclusivamente à pessoa, ao ser poeta. Mas, o que faz de uma pessoa um poeta? Não há uma resposta objetiva ou concreta. Quando falamos sobre poetas brasileiros, de imediato, nomes como Carlos Drummond, Oswald de Andrade e Mário Quintana surgem à roda, mas, subvertendo a poesia “tradicional”, o poeta tem muito mais faces do que a daquelas grandes personalidades ensinadas na escola.
De meados de 2014 para cá, um movimento cultural aproxima a poesia das ruas, das camadas populares e da política, na figura de poetas marginais. A mestre em antropologia Camila Kelly Alves, em sua dissertação para o Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Arqueologia (PPGAA) da UFPR, sob orientação do professor Miguel Carid, destrincha o slam poesia curitibano, corrente de declamação poética nascida nos anos 1980 nos Estados Unidos e efervescente no cenário brasileiro.
Segundo a pesquisa, o slam poesia, ou slam poetry, afasta a poesia do “ideal acadêmico”; daquela poesia restrita aos intelectuais e aos estudiosos de literatura, permitindo a expressividade do povo por meio da linguagem poética performada em ruas e praças. “Ele [o jovem de periferia] acessa uma compreensão da realidade por outros meios, que não são teorias, não são teóricos, não são filósofos. São artistas, escritores e poetas, narrando a existência deles e explicando de alguma forma aquilo que eles estão vivendo”, explica Alves.
Como performance artística, só existem dois fatores determinantes para a execução do poetry slam: a ausência de música ou sons de fundo e a ausência de recursos cênicos, como objetos que ancoram a fala do poeta – o que faz o slam é a palavra e a expressividade do poeta.
Como hipótese de sua dissertação, Alves propõe o slam poesia uma nova forma de “ativismo cultural”, ao concretizar a manifestação da narrativa periférica e gerar a mobilização dos ouvintes. Mobilização essa motivada pela identificação direta por parte dos jovens do subúrbio curitibano ou da região metropolitana, que chegam à região central da cidade, presenciam as performances e são inspirados a contarem as suas próprias vivências.
Esse é o caso da slammer campeã de Poesia Falada de 2024 no estado de Santa Catarina, Aisha Gabriella, conhecida artisticamente como travalyngua, que teve o primeiro contato com o slam poetry em 2022 e, pouco tempo depois, já estava participando das rodas como poeta. “Era um domingo e vi uma galera reunida, falando umas coisas que me cabiam. No show seguinte eu já estava declamando. Eu também tinha algumas coisas guardadas para mim, eu falei: ‘eu acho que tem gente que quer ouvir o que eu tenho para falar’”, relatou Aisha.
Natural de Rondônia e radicada em Florianópolis, a idealizadora do Slam Manicongo e graduanda em História na Universidade de Santa Catarina (Udesc) destaca o potencial transformador do slam.
“É um refúgio de emoção, onde a gente pode expressar o que tá entalado. Eu entrei para o slam porque eu estava na rua, passei numa praça e vi alguém fazendo uma coisa e falei ‘eu vou ficar por aqui’. O slam é sobre encontrar pessoas que estão por aí e fazer elas serem ouvidas também”.
Ao verbalizar traumas pessoais e coletivos e amplificá-los em espaços públicos, o slam poetry possibilita o impulsionamento de novas histórias e possibilidades de futuro para a população periférica, justificando o caráter ativista proposto por Camila Kelly Alves.
A brasilidade chega ao slam poesia
Apesar de assemelhar-se muito à cultura hip-hop e às batalhas de rima, o slam poesia, ou slam poetry, surgiu nos salões de declamação poética estadunidenses, os “spoken word” (poesia falada), como uma forma de performatização da declamação. Tendo o poeta Marc Kelly Smith como principal divulgador conhecido, a partir de eventos realizados em 1986, o slam torna a poesia falada um jogo dramático; com competidores (os slammers), um “árbitro” (o slammaster), jurados, notas avaliativas, rodadas e um público apaixonado, que se torna também parte da performance ao engajar, gritar, vaiar, aplaudir e provocar.
Muito diferente do poetry slam americano, são os slammers brasileiros que fazem das suas performances uma forma de ativismo transformadora, pautando a pesquisa de Camila Kelly Alves. Para Aisha Gabriella, o Brasil tem o “potencial transformador em todas as culturas que toca”, e com a poesia falada não foi diferente.
Imagine-se em uma noite de sábado no coração de Curitiba. Um grupo de jovens, vindos da periferia da cidade, se reúne em frente ao Cavalo Babão – um dos pontos turísticos mais visitados da região central. Em uma interação direta entre poeta e público é “forjado uma ágora que tem a extensão de seus próprios corpos reunidos em semicírculo”, escreveu Alves em sua dissertação.
Ali, são declamadas poesias performáticas que exprimem as experiências interpessoais dos poetas e as suas realidades periféricas. Esse é o slam poetry “abrasileirado”.
Articulado pela atriz, pesquisadora e poeta Roberta Estrela D’alva, a poesia falada chega ao Brasil em 2008, com o Slam ZAP! (Zona Autônoma da Palavra), que mesclou de uma só vez o slam à cultura periférica e negra brasileira, recebendo, então, influência e adesão direta do movimento hip-hop nacional.
Também é quando Camila Kelly Alves tem acesso à produção cultural e teórica de D’alva e outras autoras negras que a antropóloga encontra o caminho para conduzir a sua pesquisa, visto que o conhecimento da autora sobre o slam era mínimo. “Essas autoras que eu conheci no processo de escrita da dissertação, elas diziam: ‘isso aqui [o slam] é potência, é efervescência’. E eu me emocionava vendo aqueles jovens descrevendo as motivações poéticas deles, fosse racismo, ou homofobia, ou machismo”, diz Alves.
Como parte da sua pesquisa etnográfica – procedimento o qual, segundo o professor Miguel Carid, se resume no “trabalho de campo em escala um a um, no sentido em que o antropólogo se desloca para os lugares onde estão pesquisando e vivenciam em tempo real a pesquisa” – Alves rompe com o histórico da antropologia como um recurso de dominação colonial, ao aplicar nas aproximações com os seus interlocutores uma “escuta sensível”, considerando o contexto em que aquelas pessoas vivem, sem formular concepções prévias: “mais recentemente a gente entende que a teoria é uma deriva daquilo que você observa em campo e não que você vai a campo com uma teoria para fazer ela encaixar na realidade”.
Na dissertação, além de referenciar teóricos das Ciências Sociais, Camila embasa sua pesquisa nos próprios poetas de slam e nas suas produções artísticas, os quais a pesquisadora acompanhou de perto para compreender o movimento de rua na cidade de Curitiba. Os interlocutores escolhidos foram o Poeta Griot, a Poeta Gabriela e a Poeta Helô, expoentes já destacados na cena curitibana de slam. Todos são de origem periférica, movimentam a cena de poesia falada em Curitiba e representam a essência do poetry slam.
Entre as rodas, o Slam Contrataque, primeiro slam de Curitiba, realizado no centro da cidade, foi o escolhido para ser analisado por Alves, mas a capital paranaense sedia outros diversos campeonatos de slam, em sua maioria, sem uma periodicidade definida. Entre as opções de rodas de slam curitibanas, a poesia se torna o rolê (veja no infográfico a rota de slams na capital paranaense).
O potencial pedagógico do slam
O primeiro contato de Camila Kelly Alves com o slam poetry foi em sala de aula, quando a mestre em antropologia ainda era professora do ensino básico em Toledo, no interior do Paraná. Por meio de oficinas que aliavam a escrita criativa com as vivências pessoais dos alunos, seguido de competições improvisadas, Camila conheceu o slam como um recurso pedagógico.
Apesar de não ter explorado a face pedagógica do slam em sua pesquisa, a antropóloga ressalta a prática da poesia falada como uma metodologia educacional: “quando você ensina alguém que você pode se expressar por meio da poesia, você forma não apenas uma pessoa leitora de poesia, mas também um escritor, um poeta”, explica Camila ao reforçar o poder transformador do slam poetry.
A realização de oficinas de poesia falada em escolas retoma o caráter mobilizador e ativista dos slams, ao gerar identificação e instigar crianças e adolescentes a continuarem se expressando por meio da poesia. Como cofundadora do projeto independente Slam Educa, a Poeta travalyngua se torna uma “educadora de slam”, em oficinas oferecidas em escolas municipais de Florianópolis.
A oficina é dividida em três etapas, sendo elas: aulas de escrita poética; competição de slam dentro da escola; e competição de slam fora da escola, realizada na Universidade Federal de Santa Catarina. Segundo Aisha, a receptividade das crianças e adolescentes é ótima, sobretudo nas escolas de periferia, onde a identificação com a raiz periférica do slam é muito maior.
Em Curitiba, a Poeta Gabriela, nomeada por Alves como “a poeta educadora”, junto às suas parceiras do Slam das Gurias, fundado pela própria Poeta Gabriela, oferece oficinas em escolas e palestras sobre o poetry slam como metologia pedagógica transformadora. O Slam das Gurias também oferece cursos especializados para professores e educadores sociais que desejam aplicar o slam poesia e o rap em ambientes educacionais, curso nomeado como “Pedagogia da Rima”.
Enraizar a produção e a verbalização poética inspirada em vivências pessoais no ensino é, mais uma vez, parte da missão ativista do slam no contexto brasileiro. Em um cenário de expansão da poesia falada nos espaços públicos da cidade e dentro das salas de aula, a face do poeta brasileiro vai se reestruturando na figura de poetas marginais.
* Publicada na Revista Ciência UFPR
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