Mosquitos podem ter encontrado um adversário à altura: um medicamento já prescrito para tratar uma doença genética rara em humanos pode tornar o sangue de uma pessoa tóxico para mosquitos transmissores de malária resistentes a inseticidas. Pesquisas recentes mostram que o mesmo fármaco, o nitisinona, também pode matar mosquitos que simplesmente pousam em superfícies tratadas com a substância.
Essa descoberta pode abrir novas possibilidades no combate à disseminação de doenças como malária e dengue, especialmente em um cenário no qual mais populações de mosquitos vêm desenvolvendo resistência aos métodos tradicionais de prevenção. A disposição das pessoas em servir de “isca” para esses insetos, no entanto, ainda é incerta. O estudo mostra que a nitisinona tem um modo de ação diferente dos inseticidas convencionais, atuando especificamente nos processos de digestão do sangue.
A nitisinona é um medicamento derivado de uma toxina encontrada naturalmente na planta australiana bottlebrush. Originalmente criada para ser usada como herbicida, a substância age sobre o aminoácido não essencial tirosina, que desempenha papel importante na produção e regulação de hormônios. Pesquisas no final do século XX revelaram que a nitisinona também era eficaz no tratamento de tirosinemia tipo I e alcaptonúria, duas doenças genéticas raras que prejudicam a capacidade do organismo de metabolizar a tirosina.
O mesmo processo metabólico que ajuda humanos a lidar com a tirosina provoca um tipo de sabotagem bioquímica em mosquitos hematófagos. Estudos no início de 2024 mostraram que mosquitos que se alimentaram do sangue de pessoas em uso do medicamento morreram poucas horas após a refeição.
Embora pacientes normalmente recebam doses relativamente altas, os pesquisadores verificaram que o efeito tóxico ocorre mesmo com quantidades substancialmente menores. O envenenamento ocorre porque o fármaco bloqueia uma enzima essencial para que o mosquito processe proteínas e aminoácidos do sangue, interrompendo a digestão e, na prática, causando um colapso no sistema digestivo do inseto.
O recente estudo indica que o mesmo processo de envenenamento também funciona sem que seja necessário administrar a nitisinona a humanos. Nos testes, pesquisadores expuseram diversas espécies de mosquitos a superfícies tratadas com a substância e com outros quatro inibidores da enzima HPPD, tanto antes como depois de os insetos se alimentarem de amostras de sangue.
Os mosquitos absorveram a nitisinona pelas patas e, ao longo de poucas horas, apresentaram os mesmos efeitos observados nos que ingeriram sangue tratado: paralisia e escurecimento do corpo. Todos os expostos morreram, mas a forma exata de absorção e o motivo pelo qual os outros três compostos semelhantes não tiveram o mesmo efeito ainda não estão claros.
A relevância da descoberta aumenta diante da crescente resistência dos mosquitos aos inseticidas convencionais. Estimativas sugerem que variantes capazes de sobreviver a longos períodos de exposição representam até 30% da população mundial desses insetos.
Dados da Organização Mundial da Saúde indicam que mosquitos resistentes a pelo menos um inseticida já foram identificados em mais de 90% dos países onde a malária é endêmica, doença que ainda infecta cerca de 263 milhões de pessoas por ano, resultando em aproximadamente 600 mil mortes anuais. A possibilidade de matar mosquitos resistentes apenas com o contato em superfícies tratadas sugere que a nitisinona poderia ser aplicada em redes e roupas de cama como alternativa aos inseticidas atuais.
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