Aparentemente comum à superfície, o Mar do Norte esconde uma das regiões mais intrigantes do planeta, tanto por seu passado geológico quanto por seu papel no futuro da energia renovável. Há mais de oito mil anos, essa faixa de terra conhecida atualmente como Doggerland, situada entre o que hoje é o Reino Unido e o norte da Europa continental, era ocupada por colinas suaves e lagoas pantanosas, atravessadas por tribos mesolíticas que habitavam o continente antes da elevação dos níveis oceânicos submergir o território.
O interesse científico sobre o Mar do Norte cresceu devido à sua relevância na extração de petróleo e gás natural, além de seu potencial para abrigar grandes parques eólicos. Em 2023, levantamentos ambientais conduzidos por empresas do setor energético resultaram em um vasto conjunto de dados. Dois anos depois, uma equipe de pesquisadores liderada por Mads Huuse, utilizou dados licenciados da empresa petrolífera Aker BP para aprofundar a análise da geologia submarina da região. Os resultados surpreenderam a comunidade científica.
O estudo revelou um fenômeno geológico chamado inversão estratigráfica, em que a ordem natural das camadas de rocha é invertida. Normalmente, formações rochosas mais recentes se depositam sobre camadas mais antigas, o que permite, por exemplo, identificar o limite geológico de grandes extinções. No entanto, sob as águas do Mar do Norte, foram encontrados grandes montes, com vários quilômetros de largura, chamados “sinkites”, que rompem essa lógica. Neles, depósitos do final do Mioceno e do início do Plioceno aparecem sob camadas formadas no início do Mioceno, ou seja, mais antigas.
Segundo os cientistas, essas estruturas resultam de um processo em que areia densa afundou em sedimentos mais leves que, por sua vez, flutuaram para o topo, invertendo a ordem esperada das camadas e formando grandes montes submersos. A explicação mais plausível para essa inversão aponta para terremotos ocorridos há milhões de anos, que causaram mudanças na pressão subterrânea, liquefazendo a areia e forçando-a a descer por fraturas no fundo do mar. Esse deslocamento elevou camadas mais antigas, formando estruturas que os autores chamam de “floatites”.
A compreensão desse fenômeno, ainda raro em escala tão ampla, pode ter impacto direto sobre as técnicas utilizadas na prospecção de reservatórios subterrâneos de petróleo e gás natural. Com a queda gradual da demanda por combustíveis fósseis, fenômeno já em curso, essas descobertas também são relevantes para o avanço de tecnologias de captura e armazenamento de carbono.
De acordo com Huuse, entender como essas formações se originam pode alterar significativamente as avaliações sobre vedação geológica, movimentação de fluidos no subsolo e integridade de reservatórios, todos elementos essenciais para viabilizar o armazenamento de dióxido de carbono de forma segura e eficaz.
Com a previsão de geração de cerca de 120 gigawatts de energia eólica a partir do Mar do Norte até 2030, a região se consolida como o novo polo energético limpo do norte da Europa. Compreender a base geológica dessa transformação, tanto por sua relevância histórica quanto pelas peculiaridades ainda pouco conhecidas, será fundamental para o futuro da transição energética.
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