terça-feira, julho 15, 2025
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Nova ameaça fúngica pode chegar ao Brasil

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As infecções fúngicas estão se tornando progressivamente mais difíceis de tratar à medida que os fungos desenvolvem resistência aos medicamentos atualmente disponíveis. A pesquisa concentrou-se no Aspergillus fumigatus, um fungo presente em solos e materiais orgânicos em decomposição no mundo todo. As pessoas inalando esporos desse fungo é algo comum e geralmente inofensivo, mas em indivíduos imunossuprimidos ou com doenças respiratórias, a exposição pode resultar em infecções graves.

Listada pela Organização Mundial da Saúde entre os fungos de prioridade máxima, a versão resistente do Aspergillus fumigatus pode causar infecções com taxas de mortalidade variando entre 47% e 88%. O estudo analisou mais de 12.600 amostras do fungo coletadas ao longo de 30 anos em hospitais dos Países Baixos, das quais cerca de 2.000 apresentaram mutações associadas à resistência aos azóis, a principal classe de antifúngicos utilizada para tratar essas infecções. Aproximadamente 17% dessas mutações eram variações ainda não completamente conhecidas. Em 60 pacientes com infecções invasivas, em que o fungo se espalhou para além dos pulmões, 13 apresentaram resistência aos azóis. Entre esses, quase 86% estavam infectados por múltiplas cepas do fungo, o que torna o tratamento mais complexo.

A presença de diferentes cepas em um único paciente pode dificultar o diagnóstico preciso da resistência, comprometendo a escolha do tratamento adequado. Enquanto as cepas suscetíveis podem responder aos azóis, as resistentes exigem o uso de medicamentos alternativos, menos eficazes e com efeitos colaterais mais agressivos. Em alguns casos, pode ser necessário combinar mais de um antifúngico simultaneamente.

O cenário é agravado pela escassez de classes de antifúngicos disponíveis: apenas três principais tipos, em contraste com dezenas de classes de antibióticos para infecções bacterianas. Isso se deve à semelhança genética entre fungos e seres humanos, que compartilham cerca de 50% do DNA. Muitas das proteínas vitais para os fungos também são fundamentais para células humanas, o que dificulta o desenvolvimento de medicamentos que ataquem apenas os fungos sem causar efeitos tóxicos no organismo.

Outro fator decisivo no crescimento da resistência é o uso intensivo de fungicidas na agricultura. Muitos dos compostos usados em lavouras, como trigo e cevada, têm o mesmo alvo molecular que os antifúngicos utilizados na medicina. Essa exposição ambiental dá ao Aspergillus fumigatus vantagem evolutiva, acelerando o surgimento de mutações resistentes mesmo antes de os medicamentos chegarem ao mercado. O primeiro caso documentado de resistência aos azóis surgiu na Holanda, onde os fungicidas são amplamente usados em plantações de tulipas.

Esse padrão vem sendo identificado em diversos países. No Brasil, o panorama também levanta preocupações. Estudo publicado em 2022 por pesquisadores da Fiocruz e de universidades públicas brasileiras alertou para o aumento de casos de resistência fúngica em hospitais, especialmente entre pacientes com câncer, transplantados ou internados em unidades de terapia intensiva. Apesar de ainda não haver um sistema de vigilância nacional específico para fungos resistentes, profissionais de saúde relatam aumento da incidência e da gravidade dos casos.

O uso de fungicidas na agricultura brasileira é intenso, principalmente em monoculturas como soja e milho, especialistas alertam que o país pode estar acelerando a disseminação de resistência aos antifúngicos. O uso contínuo e muitas vezes excessivo de compostos similares aos azóis em grandes plantações pode representar um risco direto à saúde pública. As autoridades sanitárias, como a Anvisa e o Ministério da Saúde, têm sido pressionadas por setores da pesquisa e da medicina para incluir a resistência fúngica nos planos nacionais de combate a superbactérias.

Embora o risco individual de contrair uma cepa resistente do Aspergillus fumigatus seja considerado baixo, o avanço dessa resistência representa uma ameaça crescente à saúde pública global. Diferente de pandemias virais como a da Covid, a escalada da resistência fúngica é silenciosa, gradual e persistente.

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