Quando o assunto é envelhecer, pesquisas já mostraram que a inteligência pode estar ligada à longevidade. Só que “inteligência” é um conceito amplo e um tanto vago, e não ajuda muito quando tentamos entender o que exatamente podemos fazer para exercitar o cérebro. Mas uma nova pesquisa trouxe algo mais específico: pessoas com maior fluência verbal tendem a viver mais.
Os pesquisadores aplicaram testes em participantes com idades entre 70 e 105 anos, avaliando quatro habilidades cognitivas: fluência verbal (capacidade de dominar e usar bem a linguagem), velocidade perceptiva (capacidade de reconhecer padrões rapidamente), conhecimento verbal (vocabulário) e memória episódica (habilidade de lembrar experiências pessoais).
Eles também criaram um modelo para avaliar o risco de mortalidade de cada pessoa.
Depois de analisar os dados, descobriram que, entre as quatro habilidades avaliadas, apenas a fluência verbal mostrou uma ligação significativa com a longevidade — embora ainda não saibam exatamente o motivo.
Apesar da relação entre fluência verbal e longevidade ainda não estar totalmente compreendida, Paolo Ghisletta, doutor em psicologia e autor principal do estudo, sugere duas hipóteses. A primeira é que o corpo físico está profundamente conectado aos processos mentais, emocionais e cognitivos. Segundo ele, tudo isso pode estar se deteriorando em conjunto — personalidade, emoções, funções cognitivas e condições biológicas. A segunda hipótese é que a fluência verbal seja um bom indicador do bem-estar geral, por ser um processo mental complexo que envolve diversas funções cerebrais, como memória de longo prazo, vocabulário, agilidade mental e memória visual.
A neurologista Kimberly Idoko concorda com essa linha de raciocínio, explicando que a fluência verbal envolve várias funções cerebrais ao mesmo tempo, como memória, atenção, velocidade de processamento e organização de ideias. Ela destaca ainda a importância das conexões entre diferentes regiões cerebrais, especialmente os lobos frontal e temporal.
Quando alguém consegue encontrar e usar palavras com facilidade, isso indica que essas regiões estão se comunicando bem. Já quando há dificuldades na fluência, pode ser sinal de um problema mais abrangente no funcionamento do cérebro. Ou seja, uma boa fluência verbal pode refletir uma espécie de resistência biológica ao envelhecimento.
Para entender melhor, a terapeuta neurodivergente Polina Shkadron, explica que, para expressar uma palavra, primeiro é preciso formular uma ideia. Em seguida, a pessoa busca em seu repertório linguístico as palavras certas para transmitir esse pensamento de forma compreensível. Durante esse processo, ela também está avaliando, em tempo real, se o que foi dito corresponde ao que realmente queria expressar, dentro daquele contexto específico. Esse ciclo de análise e expressão é constante na comunicação.
Shkadron lembra ainda que ter um vocabulário vasto é importante, mas não basta. É preciso também saber como a linguagem funciona nas interações sociais. Isso se chama pragmática — a forma como usamos a linguagem conforme a situação e as pessoas envolvidas.
A fluência verbal também está ligada às chamadas funções executivas do cérebro, como memória de trabalho verbal, capacidade de inibir impulsos e flexibilidade cognitiva.
Em uma conversa longa, por exemplo, o cérebro precisa reter informações, processar o que o outro está dizendo sem interromper, decidir o que é relevante e manter o diálogo no rumo certo, tudo ao mesmo tempo.
A boa notícia é que dá para melhorar a fluência verbal em qualquer idade, e começar agora mesmo.
Segundo Idoko, o segredo está em se desafiar, variar as atividades e praticar com frequência. Uma dica é fazer jogos de nomeação: defina um cronômetro de um a um minuto e meio, escolha um tema — como animais, alimentos de supermercado, objetos encontrados na natureza ou palavras que comecem com uma determinada letra — e diga o maior número possível de palavras dentro desse tempo.
É uma atividade simples, que pode virar até brincadeira em viagens de carro, e estimula exatamente as mesmas áreas cerebrais que os exames clínicos analisam.
Conversar com outras pessoas também ajuda muito. Idoko e Shkadron reforçam que manter-se ativo verbalmente por meio de diálogos é uma ótima forma de exercitar as habilidades linguísticas.
Conversas sobre temas que realmente interessam são especialmente eficazes. Pessoas que se mantêm engajadas em conversas, leituras ou atividades de ensino tendem a viver mais e manter melhor as funções cognitivas.
Jogos de tabuleiro que exigem estratégia são outra forma eficaz de estimular essas capacidades. Muitos deles exigem planejamento, mudanças de estratégia e pensamento flexível, o que envolve diretamente o uso da linguagem e das funções executivas.
Contar histórias também é um ótimo exercício. Esse hábito milenar estimula diversas habilidades comunicativas ao mesmo tempo. Uma pesquisa de 2001 mostrou que a prática desenvolve escuta, expressão verbal, compreensão, criação de imagens mentais e raciocínio verbal. Para começar, vale tentar escrever histórias criativas ou manter um diário. Não é preciso ser escritor profissional para aproveitar os benefícios.
E se aprender um novo idioma sempre esteve nos seus planos, este é um excelente momento para colocá-los em prática. Um estudo de 2012 revelou que aprender uma nova língua pode estimular o crescimento do hipocampo, uma área do cérebro essencial para a memória, o aprendizado e o controle emocional.
Isso é especialmente relevante porque o hipocampo é uma das primeiras regiões afetadas pela perda de memória. Portanto, seja aos 20 ou aos 90 anos, investir na linguagem é uma estratégia poderosa para manter o cérebro vivo e ativo por mais tempo.
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