Quando era criança, Jo Hayes jantava todos os dias exatamente da mesma forma e no mesmo horário, às 18h30 em ponto, numa mesa devidamente posta e logo após o noticiário da noite. Sua mãe, seu pai e os seis filhos se sentavam juntos, faziam uma oração e começavam a comer.
“Na vida adulta, guardo essas memórias com muito carinho”, conta Hayes, especialista em etiqueta. “Grande parte do que faço hoje e ensino como especialista em etiqueta se baseia no que aprendi ao longo de milhares de jantares em família durante a infância.”
Era um momento de união, para conversar sobre o dia e dar risadas, ela diz. E, no meio de tudo isso, os pais corrigiam os filhos quanto aos bons modos. Cotovelos fora da mesa. Nada de comer de boca aberta. E muito menos falar com a boca cheia.
“Sou muito grata por tudo que minha mãe e meu pai me ensinaram… sobre como transformar até uma refeição simples num ‘evento’ acolhedor e caloroso”, diz Hayes. “Esses ‘eventos’ foram o solo onde nossos relacionamentos cresceram e floresceram, sendo extremamente benéficos para o bem-estar mental, emocional e relacional.”
Hoje, na vida adulta, Hayes conduz os jantares praticamente da mesma maneira.
Ela não está sozinha em reviver o modo como jantava na infância. A infância é um período extremamente sensível e marcante, afirma a Dra. Mosun Fapohunda, psiquiatra consultora. “É quando nosso cérebro e nossos hábitos estão se formando, e a mesa de jantar da família frequentemente se torna um lugar-chave de aprendizado sobre autorregulação e rotina”, explica.
Assim como Hayes, Daniel Vasilevski cresceu em uma família onde todos se sentavam juntos para jantar todas as noites. “Não era só recarregar as energias; era se conectar”, conta Vasilevski. “Era nossa chance de interagir.”
Hoje, apesar da rotina puxada, das longas horas de trabalho e do estresse de administrar um negócio, Vasilevski faz questão de jantar com sua família todas as noites, sem distrações. “Esse ritual se tornou algo muito significativo para mim”, afirma. “Há algo bonito em desacelerar, saborear a comida e conversar. Isso nos mantém ancorados e conectados.” Graças a esses jantares em família, Vasilevski diz que também passou a ser mais consciente sobre como e o que come.
Hayes e Vasilevski manterem o hábito do jantar familiar na vida adulta reflete o que muitas pesquisas mostram: a forma como uma pessoa jantava quando criança influencia fortemente como ela se alimenta quando adulta.
“Criar filhos é sempre um processo de ensino”, diz Robyn Koslowitz, psicóloga clínica infantil. “Quer percebamos ou não, estamos constantemente moldando a visão de mundo dos nossos filhos — e isso inclui a alimentação. Como comemos, quando comemos, o que comemos e o que significa comer — essas lições são ensinadas à mesa, ou em frente à TV, ou onde quer que a refeição aconteça.”
No caso de Koslowitz, os jantares da infância eram solitários. Seu pai tinha uma doença crônica e, quando ela chegou ao ensino fundamental, sua mãe passou a fazer um segundo turno de trabalho em algumas noites. Com frequência, ela jantava sozinha, esquentando o que encontrasse e lendo um livro enquanto comia. “Eu não conhecia outra realidade”, diz.
Mas, ao se tornar mãe, ela sabia que queria fazer diferente. Koslowitz afirma que precisou reaprender a se sentar, estar presente, comer com os filhos e criar um senso de união.
“No começo, foi estranho”, compartilha Koslowitz. “Mas aprendi que uma refeição em família pode ser um momento de presença compartilhada, uma forma de dizer aos meus filhos: ‘Aqui é o seu lar. Aqui é onde você pertence.’”
E isso traz muitos benefícios: pesquisas mostram que crianças que jantam regularmente com a família apresentam melhor desempenho escolar (a conversa à mesa, por exemplo, ajuda a expandir o vocabulário ainda mais do que ser lido em voz alta) e maior autoestima e resiliência. Os jantares em família também estão associados a menor risco de obesidade, distúrbios alimentares e depressão, além de reduzirem as chances de envolvimento com drogas e álcool.
Os prejuízos de ser forçado a “limpar o prato”
Para outras pessoas, no entanto, os jantares em família durante a infância não foram experiências positivas, e elas não têm qualquer desejo de repetir esses hábitos na vida adulta.
Helen Neale, conselheira terapêutica, especialista em parentalidade e neurodivergência, conta que, quando criança, era forçada a comer coisas que a faziam ter ânsia de vômito. Agora que é mãe, Neale afirma que “100%” não faz isso com seus filhos.
“É muito importante entender que crianças ‘esquisitas’ para comer podem estar, na verdade, enfrentando dificuldades sensoriais com a comida”, diz Neale. Ter seus próprios filhos, junto com sua formação em questões sensoriais, foi o que transformou sua visão sobre os jantares em família.
“Eu tinha dificuldades até para comer em restaurantes, de tanto medo que tinha das reações dos meus pais. E vejo isso acontecer com meus pacientes e com crianças neurodivergentes de forma geral”, afirma Neale. “Precisamos adaptar nossos hábitos alimentares para que as crianças se sintam seguras.” Hoje, Neale e seus filhos comem da forma que preferem, de maneira mais tranquila e relaxada.
Forçar uma criança a limpar o prato ou comer algo que ela detesta pode ter consequências duradouras, inclusive no reconhecimento dos sinais de fome e saciedade do próprio corpo, diz Shelley Balls, nutricionista registrada.
“As crianças, na verdade, são muito boas em perceber quando estão com fome e quando estão satisfeitas, mas à medida que envelhecemos, tendemos a perder esse instinto”, diz Balls. Insistir para que uma criança coma tudo pode gerar uma relação prejudicial com a comida e levar ao comer compulsivo.
Como a televisão afeta as refeições
A maioria dos americanos (63%) assiste TV enquanto janta, segundo uma pesquisa da YouGov realizada em fevereiro de 2025. O levantamento também revelou que 41% conversam com as pessoas com quem estão jantando, enquanto 28% ficam olhando para o celular. Mas comer com distrações como TV ou celular pode atrapalhar a percepção dos sinais naturais de fome e saciedade. Assistir à TV durante as refeições, por exemplo, diminui a atenção ao quanto se está comendo e pode até levar ao aumento do consumo na refeição seguinte.
Esses hábitos podem se formar à mesa da infância e seguir pela vida adulta. “Muitos adultos que relatam comer no piloto automático ou têm dificuldades com controle de porções costumam traçar esses comportamentos até jantares da infância marcados por distrações”, diz Fapohunda. “Quando a comida está sempre associada a telas ou a ambientes apressados, tendemos a carregar isso para a vida adulta.”
Um estudo também mostrou que assistir TV durante as refeições está relacionado a uma dieta de pior qualidade entre as crianças e a uma maior chance de consumo de fast food. Os pesquisadores apontaram que “mesmo que as famílias não estejam prestando atenção à TV, apenas o fato de ela estar ligada como ruído de fundo já está associado a efeitos negativos”.
Irmãos podem fazer você comer mais rápido
Os irmãos, especialmente os mais velhos, também podem influenciar os hábitos alimentares e o risco de obesidade de uma pessoa.
“O comportamento-modelo é um fator significativo”, afirma Fapohunda. Crianças mais novas tendem a seguir o exemplo dos irmãos mais velhos, então “se um irmão mais velho é elogiado por comer bem ou criticado por ser exigente, essas dinâmicas podem influenciar os demais membros da família.”
Irmãos também podem afetar a velocidade com que se come. Um estudo de 2021 mostrou que crianças com mais irmãos tendem a comer mais rápido do que aquelas com poucos irmãos — possivelmente porque querem garantir sua parte antes que os outros comam. A pesquisa também revelou que os primogênitos têm mais propensão a comer rápido do que os irmãos mais novos, enquanto filhos únicos geralmente comem de forma mais lenta. E esses hábitos podem permanecer até a vida adulta.
“Comer rápido é um hábito difícil, mas importante de mudar — para promover a saúde intestinal e reduzir o risco de comer em excesso”, afirma Balls. “Pode levar de 15 a 20 minutos para o cérebro receber o sinal de que estamos satisfeitos.”
Portanto, seja para romper com hábitos prejudiciais aprendidos na mesa da infância ou para manter exatamente as mesmas tradições, Koslowitz afirma que é importante lembrar: “a comida nunca é apenas combustível. Ela também pode ser ritual, conexão, controle e conforto. O desafio é que, a menos que a gente pare para examinar os padrões que absorvemos quando crianças, acabamos transmitindo isso sem nem perceber.”