Friday, May 16, 2025
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A interação dos nossos genes com o ambiente influencia no desenvolvimento de doenças

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Na sala de exames do consultório médico, uma paciente ficou surpresa ao ouvir da médica: “A genética não importa realmente para doenças crônicas”. A profissional continuou explicando que o estilo de vida, hábitos alimentares e nível de atividade física é que determinam o risco de desenvolver doenças cardíacas. Como pesquisadora especializada em genética de doenças, a paciente não discorda totalmente, fatores de estilo de vida realmente influenciam significativamente o desenvolvimento de enfermidades. Porém, estão longe de ser a história completa. Desde o mapeamento do genoma humano em 2003, a comunidade científica comprovou que a genética também exerce papel fundamental no risco de doenças.

Estudos sobre herdabilidade de doenças (que avaliam quanto as diferenças genéticas explicam variações no risco de desenvolver condições específicas) geralmente atribuem parcela considerável dessa variação à genética. Mutações em todo o genoma parecem contribuir para doenças como diabetes tipo 2 (cerca de 17% de herdabilidade) e esquizofrenia (aproximadamente 80% de herdabilidade). Diferentemente de condições como Tay-Sachs ou fibrose cística, causadas por mutações em um único gene, doenças crônicas tendem a ser poligênicas, influenciadas por múltiplas mutações em diversos genes ao longo de todo o genoma.

Toda doença complexa envolve tanto fatores genéticos quanto ambientais. A maioria dos pesquisadores estuda esses fatores separadamente devido a desafios técnicos e falta de conjuntos de dados amplos e uniformes. Embora algumas técnicas tenham sido desenvolvidas para superar esses obstáculos, ainda não foram aplicadas a um conjunto abrangente de doenças e exposições ambientais.

Em pesquisa recentemente publicada, os cientistas desenvolveram ferramentas para aproveitar novos conjuntos de dados disponíveis e quantificar os efeitos combinados que fatores genéticos e ambientais exercem na biologia subjacente às doenças.

O caso do câncer colorretal, genética e aspirina ilustra bem a interação gene-ambiente. Em 2001, pesquisadores investigavam como o uso regular de aspirina reduzia o risco de câncer colorretal. Questionaram se mutações genéticas que retardam o metabolismo da aspirina, mantendo níveis mais altos do medicamento no corpo por mais tempo, poderiam potencializar seu efeito protetor. A hipótese se confirmou: apenas pacientes com metabolismo lento de aspirina apresentaram risco reduzido de câncer colorretal, demonstrando que a eficácia de um medicamento pode depender da genética individual.

Isso levanta questões importantes sobre como a genética e diferentes combinações de exposições ambientais, como medicamentos que um paciente toma, podem afetar o risco de doenças e a eficácia dos tratamentos. Quantos casos existem de variações genéticas influenciando diretamente a eficácia de medicamentos?

A interação gene-ambiente no câncer colorretal e aspirina é incomum por envolver uma mutação em um único local do genoma com grande efeito no risco da doença. Vinte e cinco anos de genética humana mostraram que mutações com efeitos tão grandes são raras. Por exemplo, análise revelou que o efeito mediano de uma variante genética na altura é de apenas 0,14 milímetros. Geralmente, existem centenas de variações com pequenos efeitos cumulativos no risco de doenças, tornando-as difíceis de identificar.

Como os pesquisadores poderiam detectar essas pequenas interações gene-ambiente em centenas de pontos do genoma? A abordagem começou buscando casos onde variantes genéticas em todo o genoma mostravam efeitos diferentes na biologia humana em diferentes ambientes. Em vez de tentar detectar pequenos efeitos de cada variante genética individualmente, os dados foram agregados em todo o genoma para transformar esses pequenos efeitos individuais em um grande efeito em todo o genoma.

Utilizando dados de um biobank, os pesquisadores estimaram a influência de milhões de variantes genéticas em 33 características e doenças complexas, como altura e asma. Os participantes foram agrupados com base em exposições ambientais como poluição do ar, tabagismo e padrões alimentares. Foram desenvolvidos testes estatísticos para estudar como os efeitos da genética no risco de doenças e nos níveis de biomarcadores variavam com essas exposições.

Três tipos principais de interações gene-ambiente foram identificados. Primeiro, 19 pares de características complexas e exposições ambientais influenciadas por variantes genéticas em todo o genoma. Por exemplo, o efeito da genética nos níveis de glóbulos brancos no corpo diferiu entre fumantes e não fumantes. Segundo, casos onde a herdabilidade de uma característica varia dependendo do ambiente. A herdabilidade do índice de massa corporal aumentou 5% para os indivíduos mais ativos, significando que a genética desempenha papel mais importante no IMC quanto mais ativa a pessoa for. Foram encontrados 28 desses pares característica-ambiente. Terceiro, um tipo de interação chamada amplificação proporcional ou conjunta, onde efeitos genéticos aumentam com maiores exposições ambientais, e vice-versa, resultando em equilíbrio relativamente igual de efeitos genéticos e ambientais sobre uma característica. Quinze desses pares foram identificados.

A pesquisa também investigou casos onde o sexo biológico, em vez de exposições ambientais, influenciava interações com genes. Exemplos adicionais foram encontrados dos efeitos do sexo biológico em todos os três tipos de interações gene-ambiente. Neuroticismo apresentou efeitos genéticos que variavam entre os sexos. Múltiplos tipos de interações gene-ambiente podem afetar a mesma característica, efeitos genéticos na pressão arterial sistólica variaram por sexo, indicando que algumas variantes genéticas têm efeitos diferentes em homens e mulheres.

Para interpretar esses distintos tipos de interações gene-ambiente, os pesquisadores propõem que podem ajudar a compreender melhor os mecanismos biológicos subjacentes que levam de riscos genéticos e ambientais à doença, e como a variação genética leva a diferenças no risco de doença entre pessoas. Genes relacionados à mesma função trabalham juntos em unidades chamadas vias. O modelo sugere que exposições ambientais modificam diferentes partes dessas vias, o que pode explicar os diferentes tipos de interações gene-ambiente observadas.

No futuro, essas descobertas podem levar a tratamentos mais personalizados com base no genoma individual. Clínicos poderiam determinar se alguém tem maior probabilidade de reduzir seu risco de doença cardíaca através de medicamentos para perda de peso ou exercícios físicos. Os resultados demonstram como estudar interações gene-ambiente pode revelar não apenas quais fatores genéticos e ambientais aumentam o risco de doenças, mas também o que exatamente dá errado no organismo.

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